terça-feira, 2 de junho de 2015

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Paim protocola projeto de imposto sobre grandes fortunas


Imposto sobre Grandes Fortunas: está aí o projeto de lei!

Por Luiz Afonso Alencastre Escosteguy, em seu blog.

Discussões à parte, o Senador Paulo Paim (PT/RS) protocolou o PLS 315/2015 que “Institui o Imposto sobre Grandes Fortunas, de que trata o art. 153, inciso VII, da Constituição Federal e dá outras providências”.
Clique no link para ler o texto completo: IGF – PLC Paim
Que não se alegue ser projeto de origem “comunista” ou coisa de petralha – defesa que certamente farão os contrários ao imposto, com ajuda das famílias bilionárias da mídia oligárquica – pois é norma inserida na carta constitucional dita “cidadã”, elaborada por uma constituinte soberana na sua representação da sociedade e do povo brasileiros.
É mais do que hora de recuperarmos a cidadania constitucional e colocarmos em prática a justiça tributária, tão cara e necessária para que tenhamos uma pátria de fato para todos.
A campanha que a mídia oligárquica tem feito e fará contra o projeto, já se sabe, será intensa e covarde, pois busca e buscará defender seus bilionários donos e os bilionários investidores em publicidade/propaganda de suas empresas.
O projeto está na mesa, não adianta mais fugir ao debate.
Atentem apenas ao canto que as sereias cantarão para enganar os menos avisados e cooptá-los para a defesa de algo que os atinge diretamente, pois não é crível que assalariados, de qualquer classe, aceitem de boa-fé defender que uns poucos usurpem a riqueza do país, construída com o trabalho e não com a especulação ou acumulação de patrimônio.
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PS Conselho Legal
Vejo abaixo um estudo interessante, do IPEA, que traz comparativos internacionais, para o Imposto sobre Grandes Fortunas. E o parâmetro do estudo é o projeto do Paim.

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"O Inconsciente Político", do Fredric Jameson




Ano passado, eu tinha escrito um texto (em duas partes) sobre o Pós-Modernismo: a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio, do Jameson. Mas o Pós-Modernismo é uma aplicação ampla da metodologia que ele formulou em O Inconsciente Político: a Narrativa como Ato Socialmente Simbólico, de 1981. Aqui, eu vou tentar explicar o que e essa metodologia, e compará-la com outras abordagens marxistas sobre a literatura, principalmente a estética do Lukács.

A questão principal do livro, elaborada principalmente no primeiro capitulo, o programático "A interpretação: a literatura como ato socialmente simbólico",é a da posição do marxismo entre os diversos métodos de crítica cultural em conflito. A solução dada pelo jameson é brilhante, e tudo o mais no livro vai decorrer dela: as várias formas de abordagens críticas (psicanalítica, formalista etc) pressupõem a formação, durante a história, dos seus campos interpretativos especializados - e essa formação só pode ser compreendida dentro de uma teoria da história, o marxismo:
A defesa de um insconsciente político propõe que empreendamos justamente essa análise final e exploremos os múltiplos caminhos que conduzem à revelação dos artefatos culturais como atos socialmente simbólicos. Ela projeta uma hermenêutica oposta às já enumeradas, mas o faz, como veremos, não tanto através do repúdio às descobertas das outras, mas através da demonstração de sua primazia filosófica e metodológica sobre os códigos interpretativos mais especializados, cujas revelações são estrategicamente limitadas tanto por suas situações de origem quanto pelos modos estreitos ou locais pelos quais constroem ou estabelecem seus objetos de estudo.

Antes de começar a mostrar essa articulação feita pelo marxismo, o autor precisa passar pela polemica dentro da filosofia marxista sobre a questão da causalidade. É uma polêmica importante, que surgiu dentro da crítica às concepções mecanicistas sobre arte do período stalinista (por exemplo, a obra de um autor era vista como a “expressão” da posição de determinada classe social e, portanto, era considerada esteticamente progressiva ou reacionária por causa disso). Então, o Jameson usa os conceitos althusserianos de causalidade mecânica, expressiva e estrutural e mostra qual a aplicabilidade de cada um dentro da crítica.

Nessa parte, ele mostra uma parte interessantíssima da historia da hermenêutica, que é o nascimento da disciplina, através da interpretação da Bíblia pela teoria das quatro leituras (literal, alegórica, moral e anagógica), e mostra como o nível anagógico foi uma forma embrionária de leitura política (a leitura do ponto de vista da história da salvação).

Toda essa discussão sobre a causalidade serve para o Jameson introduzir a sua forma de trabalhar com o conceito de mediação (“a forma pela qual a filosofia dialética e o próprio marxismo têm formulado sua vocação para romper com os comportamentos especializados das disciplinas burguesas") e estabelecer a visão de que a mediação não deve necessariamente se resolver em homologias entre os diferentes níveis (o real problema da causalidade expressiva


althusseriana). 

Como forma de crítica historicizante das homologias, ele usa o retângulo semiótico de Greimas (eu nunca tinha ouvido falar antes), dialetizando o seu formalismo e transformando-o no índice do fechamento ideológico das possiblidades históricas em determinada obra (como ele vai fazer na análise de A solteirona, de Balzac, no capítulo 3).

No final dessa parte, ele faz um diagnóstico dos conflitos entre Althusser e Lukács, que eu vou deixar para o final, quando eu for comparar Jameson e Lukács.

Na parte seguinte, ele mostra os dois pólos entre os quais oscila a hermenêutica, o primeiro sendo o da crítica ética (em termos das motivações e atitudes do autor, e como ele as elabora nas obras), sendo que, para o Jameson, a forma dominante da crítica ética no século XX é a psicanalítica; e o segundo sendo a crítica mítico-teológica, que ele exemplifica através da obra de Northrop Frye sobre o significado do romance.

Depois dessa passagem, ele começa a elaborar o instrumental marxista para o tipo de crítica que supere essas formas locais e parciais. Ele retoma o conceito de mediação, que passa a ser filtrada (para evitar as homologias) pelo ideologema ("a menor unidade inteligível dos discursos coletivos essencialmente antagônicos das classes sociais"). Um exemplo de ideologema, que ele dá no capitulo sobre Gissing, mas que seria melhor mostrar logo aqui pra exemplificar o conceito, é o de ressentimento,ou seja, o discurso de que o ressentimento é a causa dos protestos da classes dominadas.

O ideologema não aparece diretamente, e sim é elaborado dentro de uma estratégia de contenção, que são os recursos (intelectuais na filosofia, mas formais na literatura) que fecham o horizonte ideológico da obra. Além disso, o ideologema aparece somente no primeiro nível da análise proposta pelo Jameson. Se todo texto é uma elaboração sobre as contradições sociais, inclusive as que criam campos “locais” (individuo, família, nacionalidade etc), existem três níveis de contradições, a saber 


  1. o nível social imediato, que não aparece diretamente, e sim através dos ideologemas; as contradiçôes sociais aparecem nesse nível como antinomias, que é função da obra explorar;
  2. o nível das classes sociais em luta. Nesse nível, a metodologia do jameson se abre ao estudo das culturas subalternas, porque o discurso da classe dominante pressupõe o discurso das classes dominadas; é a polifonia estudada por Bakhtin. Aqui, mais uma vez, o conflito de classes quase nunca aparece em sua forma nua, na maioria das vezes, está expresso nos termos do código-mestre da formação social da época (Jameson usa o exemplo do cristianismo no período da revolução inglesa), mesmo que a unidade seja dada em termos de um modo de produção comum;
  3. o último nível é o mais alto, porque trabalha com a coexistência entre vários modos de produção diferentes,e tem como horizonte último a história da humanidade como um todo. Aqui, os conflitos se dão em termos da ideologia da forma (ou seja, como cada forma literária específica coordena as contradições entre os vários modos de produção em seu conteúdo - aqui entram os conceitos, de Hjemslev, de conteúdo da forma e forma da expressão ). É nesse horizonte, por exemplo, que ele vai analisar O Morro dos Ventos Uivantes, no capítulo 2 (de forma insatisfatória, na minha opinião), e em que ele vai falar do potencial utópico contido em toda obra de arte, no último capítulo.

O capitulo 2 é um ensaio sobre os gêneros literários, usando como fio condutor o conceito de romanesco. Segundo ele

o valor estratégico do conceito de gênero está para o marxismo na função mediadora da noção de gênero, que permite a coordenação da análise formal imanente do texto individual com a perspectiva duplamente diacrônica da história das formas e da evolução da vida social.

Depois de fazer um pequeno esboço de por que o conceito de gênero se enfraqueceu na pós-modernidade, através da ruptura do pacto tácito entre autor e público, causada pela penetração da lógica capitalista em toda a cultura, ele começa, novamente, a historicizar as duas formas dominantes de crítica genérica contemporânea: a semântica (ex: Frye) e a estrutural (ex. Propp), para mostrar como se articularam historicamente as noções de herói e sujeito, usadas, respectivamente, por um e pelo outro.

Depois, começam os ensaios sobre Balzac, Gissing e Conrad, em que ele vai aplicar o método que ele expôs.
 

Em A solteirona e La rabouilleuse, de Balzac, ele vai mostrar como nessas obras - escritas antes do realismo “travar” o narrador onisciente no centro do romance - se opera o fechamento do horizonte, ilustrado pelo retângulo de Greimas: o horizonte histórico também está fechado para Balzac, um legitimista, e as obras colocam os dilemas históricos reais através dos conflitos entre os personagens-tipo balzaquianos.

No capítulo sobre Gissing, ele mostra como é possível, dentro do naturalismo, resolver o problema de um sujeito “exterior” que, mesmo assim, consegue ter um ponto de vista sobre as classes subalternas, através da personagem da filantropa, e como essa solução formal se liga com o ideologema do ressentimento.

Já o capítulo sobre Conrad é o que eu tive mais dificuldade de entender, porque exige um conhecimento da obra dele que eu não tenho (nunca li nada dele). Do pouco que eu entendi, vi que ele mostra dois elementos bem modernos na obra do Conrad: a écriture, ou seja, aquele estilo modernista de livre associação, e a articulação (até pós-moderna) entre a alta literatura e a literatura de massa, no caso, os romances de aventura (o jameson fala em quatro tipos de literatura de massas: essa, a ficção científica, os romances policiais e os góticos). Ele fala do mar como elemento de contenção (deslocando os conflitos “para fora” da sociedade) e do ideologema fundamental da obra dele como sendo, surpreendemente, o da religião da estética, tão comum no final do século XIX (simbolismo, por exemplo), e como ele aparece no estilo de Conrad e se explicita indiretamente no episódio do quase naufrágio dos peregrinos para Meca.


O último capítulo, o 6, aparece a parte que eu vejo como a mais problemática do Jameson, que é a procura de elementos utópicos em todas as formas de arte, inclusive nas mais degradadas, invertendo a famosa tese do Walter Benjamin ("toda obra de cultura é, ao mesmo tempo, uma obra de barbárie). Parece que ele cai no tipo de dialética abstrata que ele tanto critica através do livro, colocando uniformemente esse elemento utópico por toda parte, por exemplo (em Reificação e Utopia na Cultura de Massa), em filmes como O Poderoso Chefão e Tubarão (!!!).

Para analisar as nostalgias de reconciliação presentes em obras culturalmente reacionárias, eu prefiro a tese do Zizek, em O Mais Sublime dos Histéricos, em que ele fala da fantasia primordial do fascismo como sendo da harmonia de todo o corpo social, uma fantasia análoga à de que existe a relação sexual.


Jameson e Lukács


Depois de falar sobre o livro, só umas palavrinhas sobre as diferenças entre eles (eu não saberia falar agora sobre o Adorno, mas seria um tema interessante para escrever depois).

Antes disso, vou copiar aqui o trecho em que o Jameson contrasta Althusser e Lukács:

1) o problema da respresentação e, particularmente, o da representação da História: como já se sugeriu, este é essencialmente um problema narrativo, uma quest]ao da adequação de qualquer moldura narrativa em que a História poderia ser representada; 2) o problema correlato das "personagens" da narrativa histórica ou, de maneira mais precisa, o do status do conceito de classe social e de sua disponibilidade como um "sujeito da História" ou principal ator dessa narrativa histórica coletiva; 3) a relação entre a práxis e a estrutura, e a possível contaminação do primeiro desses conceitos pelas categorias da ação puramente individual, em oposição ao possível aprisionamento do segundo desses conceitos em uma visão em última análise estática e reificada de um "sistema total"; 4) o problema mais geral, derivado desse último, do status do sincrônico e sua adequação enquanto moldura de análise; ou, correlativamente, da adequação da visão dialética mais antiga da transformação diacrônica e da periodização, mais notoriamente no relato a ser feito da transição de um modo de produção a outro; 5) a questão correlata do status de uma categoria não menos central para a dialética clássica que é a mediação, ou seja, a contradição, e sua formulação na nova moldura estrutural ou sincrônica (uma categoria que, é preciso insistir, é radicalmente distinta das categorias semióticas da oposição, antinomia ou aporia); 6) e, finalmente, a noção de uma totalidade, termos que Althusser continua a empregar, procurando sempre diferenciar radicalmente seu conceito de uma totalidade verdadeiramente estrutural do da antiga totalidade expressiva, que passa por ser a categoria organizadora do idealismo hegeliano e também do marxismo hegeliano (Lukács, Sarte).

Mas o contraste mais importante é entre a crítica cultural jamesoniana e a estética lukacsiana. No Prefácio, em que ele explica o que O Inconsciente Político não é, ele diz


Portanto, se este livro não propõe uma estética política ou revolucionária, ele igualmente pouco se preocupa em levantar mais uma vez os problemas tradicionais da estética filosófica: a natureza e função da arte, a especificidade da linguagem poética e da experiência estética, a teoria do belo, e assim por diante. Entretanto, a própria ausência desses problemas pode servir como comentário implícito a respeito deles; tentei conservar uma perspectiva essencialmente historicista, na qual nossas leituras do passado dependem de maneira vital de nossa experiência com relação ao presente e, particularmente, das peculiaridades estruturais daquilo que por vezes é chamado de societé de consommation (ou de momento "desacumulativo" do monopólio tardio, ou consumismo ou capitalismo multinacional), aquilo que Guy Debord chama de sociedade da imagem ou do espetáculo. O problema é que em uma sociedade como essa, saturada de mensagens e de experiências "estéticas" de todos os tipos, as próprias questões referentes a uma estética filosófica mais antiga precisam ser radicalmente historicizadas, podendo-se esperar que se tornem irreconhecíveis nesse processo.

Quanto à ideia do fim da autonomia, que cancelaria ou tornaria irreconhecível a estética, na primeira parte do texto sobre o Pós-Modernismo eu argumentei que decorre de uma concepção, diferente da do Mandel apesar de se dizer baseada nele, de que o capitalismo conseguiu controle total sobre todas as esferas da sociedade.

Nisso, eu vejo o segundo grande problema do Jameson, que fica evidente na forma em que ele vê O Morro dos Ventos Uivantes como uma obra que articula a monetarização da economia rural. Não sem influência do historicismo absoluto, ele necessariamente precisa tratar a arte como uma articulação superestrutural. Bem diferente da estética lukacsiana, inspirada em Goethe, em que a arte é uma forma complementar à ciência de compreender o mundo. Justamente por isso, a estética do Lukács permite ver a arte como algo transistórico, defender a necessidade da sua autonomia, e dar uma profundidade maior às obras do que intervenções ideológicas no discurso.